Eficiência ou Resiliência? O Impacto do Inesperado

Numa altura de alta incerteza, é importante refletir sobre a cadeia de abastecimento e toda a estratégia logística das empresas industriais. Para despoletar o debate, começamos por lançar a seguinte questão: para que serve a gordura no corpo humano?


A pergunta pode parecer estranha ao início, mas a gordura no ser humano nem sempre é má. Esta serve como armazenamento de energia e facilita também os movimentos normais dos músculos e das articulações. A “gordura” nas cadeias de abastecimento – que tantas vezes as empresas tentam eliminar por completo – tem exatamente a mesma função. A existência de inventário, por exemplo, é vista como um tipo de desperdício segundo a metodologia lean, levando a ineficiências. Contudo, é importante não levar este racional ao extremo, porque é o inventário que ajuda a tornar as cadeias mais resilientes e flexíveis.

Com a disrupção causada pela pandemia que vivemos e com todas as incertezas que se acumulam, as “ineficiências” podem assumir agora um papel diferente. Tomemos o caso da fábrica da Philips em Albuquerque, New Mexico. Dia 7 de março de 2000, um relâmpago atingiu um cabo elétrico e causou um incêndio na fábrica de chips. Esta fábrica fornecia, entre outras empresas, a Nokia e a Ericsson. Mal o incêndio deflagrou, a Nokia adaptou-se e passou a usar fornecedores de outros locais dos EUA e até do Japão. A Ericsson, por sua vez, tinha uma política de single-sourcing, sendo a Philips em New Mexico o seu único fornecedor. O resultado? A Ericsson perdeu 400 milhões de dólares em vendas.

Dando um passo atrás e olhando de um ponto de vista de maximização da eficiência e minimização de custos, a estratégia da Ericsson poderia apresentar melhores resultados. Focando-se só num fornecedor, a empresa poderia desenvolver uma relação comercial mais duradoura e alcançar economias de escala e, assim, minimizar os custos. Contudo, o mundo parece cada vez menos previsível, e “acasos” como este relâmpago ou como a pandemia atualmente podem acontecer a qualquer momento.

Com o contexto atual, é certo que terá de haver mudanças a todos os níveis na sociedade e nas empresas. O trade-off entre eficiência e resiliência tem de ser repensado, especialmente nos setores mais críticos para o dia-a-dia, como é o caso da saúde, da indústria e da agricultura. O foco na eficiência por parte da Ericsson, no exemplo anterior, permitiu à empresa ir cortando custos gradualmente, à custa da resiliência. No entanto, bastou um único evento inesperado para que todos estes ganhos fossem por água abaixo. Como tal, as empresas e a sociedade como um todo tem de começar a pensar mais em termos de probabilidade e impacto. Claro que não será fácil implementar mudanças na prática, especialmente quando grande parte do nosso tecido empresarial luta pela sobrevivência. Mas o pensamento a longo-prazo, com um equilíbrio entre eficiência e resiliência, será em última instância, o verdadeiro fator diferenciador.


José Ribeiro